K - Há quanto tempo você é moradora da comunidade?
I - Eu vim para cá tinha 7 ou 8 anos de idade. Moro aqui há mais ou menos 36 anos
K - A comunidade mudou muito durante esses anos?
I- Mudou muito!
K- O que mudou para melhor?
I - Antes a gente não tinha água, luz, asfalto, ônibus e agora tem tudo isso. O ônibus mais próximo que tínhamos era perto do hospital evangélico, há mais ou menos uns dois km da minha casa
K - o que mudou para pior?
I - Pra mim, que moro na comunidade, não posso reclamar que as coisas estão piores. Para mim tudo é melhor. A gente precisa aprender a viver na comunidade.
K - Você gosta de morar aqui?
I - gosto
K - Por quê?
I - Por que tudo é perto para nós, supermercado, padaria, ir ao centro. Tenho muitas amizades aqui.
K - É uma vida boa aqui, então?
I - Sim, é uma vida boa... tranqüilidade...
K - Você se incomoda com o preconceito que as pessoas tem da favela?
I - Não. Na verdade eu conheço gente de classe alta que mora conosco. A favela não é só de pobre, não. Nós temos até médico que mora aqui, enfermeira, vereadores, engenheiros, pessoas fazendo faculdade, professores...
K - Porque você acha que as pessoas de classe alta escolheram viver na comunidade?
I - Às vezes, eu penso que é por que a favela não é tão ruim assim. Se eles podem morar fora, por que eles moram aqui? É por que a favela não é tão ruim assim.
K - Então, você acha que não existe preconceito?
I - Não, quer dizer, existir existe, mas não são todos, né?!
K - Quais são seus sonhos?
I - Meu sonho... (para para pensar) Criar meus netos, por que meus filhos já estão criados, só tem um pequeno. Ver meus netos crescendo aqui dentro da comunidade comigo, igual meus filhos cresceram e se tiver que subir na vida que seja aqui dentro da favela. Eu gosto daqui, gosto muito!Sinto-me bem aqui.
K - A comunidade tem todas as facilidades que uma vida no centro da cidade oferece?
I - Sim está tudo próximo da gente, um bom posto de saúde , supermercados, se eu quero uma pizza eles vêm entregar, se eu peço um remédio a farmácia entrega. Os becos estão todos arrumados, eu nem sujo meu pé de barro quando venho trabalhar.
K - Você pensa que o governo se preocupa o suficiente com a comunidade?
I - Agora eles estão se preocupando com moradia. E também com a saúde. Eu sinto que o governo supre as necessidades do povo. Eu vejo muitas oportunidades agora para que os jovens consigam empregos. Antes não era assim, agora os jovens tem mais chance. Tem emprego para quem quer trabalhar.
K - Você acha que a condição de vida melhorou hoje, com todas essas oportunidades?
I - Sim. No meu beco só tem uma mulher que não tem maquina de lavar. A comunidade melhorou muito. A maioria das pessoas têm bens dentro de casa. Mas na verdade isso é para quem trabalha, quem luta pra ter um conforto melhor.
K - As pessoas quando pensam em favela, logo pensam em tráfico de drogas e crime. O que você pensa sobre isso?
I - Eu penso que todos os lugares e não só a favela, estão acontecendo essas coisas. As pessoas julgam muito a favela. Se alguém acha alguma droga num bairro, ninguém fala nada, mas se pega na favela, julga a favela toda! Quando acontece um crime com gente "da alta" o crime é abafado, mas quando é na favela...O povo julga demais a favela! O que acontece na favela, acontece em todos os lugres, não é só na favela, não. Tem droga em todos os lugares, infelizmente. Tem muita gente honesta na favela, trabalhadora. Eu me sinto segura na favela, por que se eu não devo nada a ninguém, ninguém vai fazer nada comigo.
K - Se você pudesse falar algo para quem nunca entrou numa favela e só vê as notícias na TV, o que você falaria?
I - É só entrar para ver. Se você não deve nada é só entrar tranqüilo.
K - Tem algo mais que você acha importante e gostaria de falar? Um último comentário?
I - Sim.Eu amo minha favela, radicalmente!!! Amo mesmo, de coração!
Quem já passou pela Luzeiro sabe disso!
Esforçada, honesta e trabalhadora.
Ela sempre tem algo para nos ensinar seja sobre a vida, seja sobre a comunidade e é de grande ajuda para nós.
Por Kelly van den Brink
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