sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Visitas, sempre um aprendizado.

Eu acabei de chegar de uma visita e precisava escrever. Primeiro para colocar meus pensamentos e emoções em ordem, e em segundo lugar, comunicar ao mundo (ou às pessoas que acessam nosso blog) o que eu tenho visto e vivido aqui.


Bom, para começar quero contar sobre a visita que fizemos ontem. Fomos numa casa onde eu havia ido antes e já conhecia mais ou menos o histórico daquele amontoado de gente vivendo na mesma casa. Um pai “ignorante” (nas palavras da mãe), a mãe e um bando de filhos (nove no total). O pai parece que é ausente, nunca o vi antes. Mas só ouço palavras negativas a respeito dele. A mãe há muito tempo perdeu o controle sobre os filhos. Eles fazem o que bem querem. Não há respeito algum. Mas, do lado da mãe não há demonstração de carinho, palavras positivas, nada. Nenhum sinal da afetividade de uma mãe para com seus filhos. A mãe conta a mesma história sempre: passou mal, botou sangue pela boca, e está com anemia, mas está melhorando. Não sou médica nem nada, mas se fosse verdade tudo o que ela fala ela estaria internada num hospital ou já teria morrido. Mas não está vivinha da silva e bebendo suas cachacinhas. Uma das coisas mais graves sobre essa família é que a filha mais nova, de seis anos de idade, nunca foi registrada e não vai à escola. O conselho tutelar já foi acionado, mas até agora a menina está lá, sem existir e sem direito a educação. Ela tem uma vontade enorme de ir para escola, mas não pode. A explicação para essa situação? Ah, o pai simplesmente tem preguiça de ir registrá-la e a mãe não quer registrar a menina sem o nome do pai. Enquanto eles ficam nesse joguinho vão passando se os dias e a pequena menina de cabelos encaracolados e olhos castanhos arredondados fica sem existir.

Durante a visita, ouvi as crianças brigarem por causa de um ovo frito. Eram três horas de uma escaldante tarde em belo horizonte e eles estavam esquentando arroz e feijão para matar a fome. Quase saiu tapa por um mísero ovo frito. Logo depois a pequena menina saiu da cozinha carregando um prato com arroz, uns grãos de feijão espalhados pelo prato e um pedaço de ovo. Até agora eu não consigo encontrar palavras para explicar o que senti. Na volta para casa vimos muita gente usando drogas, sentados na calçada, no meio fio, esperando por nada.

Olho nos olhos deles e vejo desesperança.

Hoje fomos visitar uma família que perdeu a casa num dia de chuva. A casa que já estava em péssimo estado, não agüentou a força da chuva e desabou. Graças a Deus, ninguém se machucou. Agora eles estão vivendo num abrigo da prefeitura. Rodamos por mais meia hora para conseguirmos achar o lugar onde eles estão. Quando chegamos lá parecia uma cena de filme. Você sabe aqueles campos de refugiados que vemos em filme? Pois é, como dizia minha mãe: Tal e qual. Muitas pessoas deitadas do lado de fora das casinhas, fazendo nada. Encontramos com Elza* (*nome fictício) e ela logo nos recebeu e nos convidou para entrarmos na sua nova e temporária casinha, onde está vivendo com mais oito pessoas, sua família. A Joyce, que acompanha a família há algum tempo, queria falar com Elza sobre a reconstrução da casa dela, pois algumas pessoas de outros projetos querem fazer isso, mas querem também que Elza e sua família ajudem na reconstrução e não recebam tudo de “mão beijada”. No começo ela estava resistente, mas depois acabou concordando. Ela saía da sala toda hora e nos deixava falando sozinhas, e depois de algum tempo senti um cheiro que explicou tudo. A cada cinco minutos ela saía para a cozinha e tomava um traguinho de cachaça. No final ela já estava meio alterada. Fiquei tão triste ao olhar para aquela situação. Roupas espalhadas pelo chão, prato com comida velha juntando bicho no meio das roupas, bagunça por todos os lados, crianças entrando e saindo daquele ambiente, falta de esperança, tristeza. E ela preocupada em recolocar os filhos na escola para não perder o bolsa escola!

Para mim é difícil voltar para casa depois de uma visita dessas. Meu coração dói ao pensar que essa é a vida dessas pessoas. TODOS os dias. Tudo chegou a um ponto onde eles não se permitem ter esperança. Apenas ficam esperando receber migalhas de um governo paternalista. E vão apenas SOBREVIVENDO e não VIVENDO.

Eu sei que Deus pode mudar situações e só Ele pode mudar definitivamente essas vidas. Quero crer nisso todos os dias da minha vida. Mas como fazer essas pessoas crerem nisso também? Como mudar a mentalidade dessas pessoas? Nessas horas toda a teoria, tudo o que você estudou, todos os livros que você leu NÃO VALEM NADA!

Minha oração é que Deus traga vida a esse vale de ossos secos e traga esperança para seus filhos. Oro também por esperança para mim também. Que mesmo em meio a tanta tristeza, sofrimento e pobreza, meus olhos possam estar voltados para o Reino de Deus e a sua justiça, para o Deus dos pobres e necessitados, para o Deus soberano que age além das circunstâncias e não está limitado às situações que vemos.

2 reações:

Thiago Souza disse...

wow,

de tirar o folêgo! Muito obrigado por compartilhar essa história Kelly. Muito forte, e triste. sem palavras.

Tijs e Kelly van den Brink disse...

É Thiago, tem dias que a coisa fica feia... Precisamos orar muito para não entregar os pontos. Mas esperamos em Deus que nos fortalece a cada dia. Valeu pelo comentário!
Abração!