Ela sabia que
desde o começo havia algo diferente. Tentava chamar a atenção do seu pai, mas
nada adiantava. Houve tentativas extremas como aprender sozinha a tocar violão.
Um talento provavelmente herdado dele. Não. Nem isso adiantou. Mas, Tudo bem. A
vida segue sua rotina. E daí que seu pai não liga para ela? Já não faz mais
falta mesmo. Tantas tentativas frustradas e nenhum “eu te amo” ou palavras de
afirmação. Tudo isso havia matado sua esperança de ter um relacionamento com
seu pai. “Sou mais uma boca para alimentar” pensava ela. Tinha inveja das suas
amigas cujos pais conversavam com elas. Não conseguia entender esse universo de
aceitação entre um pai e uma filha. A auto piedade sempre presente: “Por que
ele não me ama? Por que essa distância? O que eu fiz de errado?” Por vezes ela
pensava que seu erro foi ter nascido menina. “Ah, se eu fosse um menino, tudo
seria diferente!” Será?
De repente
a tragédia. Ela consegue ver apenas o seu lado da história. A sua dor. Uma
tragédia que abala a vida de todos e mudará para sempre a sua vida. Ela e seu
pai. Antes o que os unia era um teto em comum. Agora nem mais isso. “Como ele
pôde me abandonar agora?! Por que não era ele naquele caixão? Por que ela –
minha segurança, a única pessoa que me amava? Ele não faria falta!” Ah, tantas
vezes ela pensou assim!
A partir
daí as coisas só pioraram. O que era indiferença agora virou ódio. O que era
apenas um hematoma virou uma grande ferida, sangrando sem parar, doendo, um
câncer. Ódio – era isso o que sentia pelo seu pai. Brigas, gritos, ofensas,
silêncio. Uma nova família para ele. Um filho. Finalmente um menino. E a ferida
crescendo e apodrecendo. “Eu queria que você morresse! Tenho vergonha de ser
sua filha!” gritava ela. Mas por trás daquela fachada de ódio existia uma
menina querendo ser amada e aceita por seu pai. “Por que simplesmente não posso
ter um pai?”
Anos
perdoando, caindo, odiando, perdoando de novo, se ferindo, odiando, chorando,
sentindo dor, perdoando novamente. Um ciclo aparentemente sem fim. Tudo o que
ela queria era ser amada, recuperar o passado e ser a filhinha do papai.
Conversar, cantar juntos, tocar violão juntos, andar abraçados, ver orgulho nos
olhos do seu pai. Mas nada disso jamais acontecerá. É apenas um sonho distante
de um passado que nunca aconteceu. Não se pode mudar o passado, não é?
Dias se
passaram, estações mudaram, ela mudou.
Uma visita dando início ao milagre do perdão. Ela não sabia qual seria
sua reação ao ver seu pai novamente. Um ano sem se falar e a última vez que se
falaram foi para machucar um ao outro. Seu estômago se contorce de nervosismo
até que ela se vê frente a frente com seu pai. Ela e seu pai. Tanta dor entre
os dois. Tanta necessidade de um ser amado pelo outro. Escamas caem de seus
olhos e pela primeira vez ela vê um ser humano ali na sua frente. Seu pai – um ser
humano. Cabelos brancos, rosto envelhecido, marcas de sofrimento. Sim, ele
sofreu também, afinal a tragédia abalou sua vida profundamente. Ela olha para
seu pai e sente amor, paz. Pela primeira vez em tantos anos – talvez a primeira
vez em toda a sua vida.
A
humanidade de seu pai acerta em cheio a sua face. Um ser humano que sofreu,
chorou, sentiu dor, não soube como amar, que errou. Mas afinal, ela também não
tinha feito todas essas coisas? Ela mesma também não errou e muito? Ela percebe
que um laço de humanidade e imperfeição os une. Sim, eles são parte um do
outro. Ela pensa “Ele é parte da minha raiz. Eu vim dele. Meu progenitor.” De
repente ela se reconhece nele – a voz para cantar, os dedos nas cordas do
violão, dizem até que seu sorriso parece com o dele. “Sim, eu me vejo nele e o
vejo em mim. Sou sua filha!” Naquele momento seu coração sussurra as palavras
que tantas vezes dissera antes, mas sem realmente querer vivê-las: “Eu te
perdôo.” Um momento em que cordas de dor e ódio são arrebentadas, a ferida é
curada e seca, deixando apenas uma cicatriz. Quando toda a sujeira foi embora
no momento em que as palavras de perdão saíram de seu coração, o amor pôde
entrar. Ela olhou para aquele ser humano à sua frente e o amou. No final da
visita ela o abraçou e disse as palavras que tanto sonhou em dizer:” Eu te amo!”
Pela primeira vez ela disse isso honestamente. Ele, surpreso, respondeu com palavras
desconexas. Nervosismo estampado no seu rosto. Ela sabe que ele chorou quando
ela saiu.
Ela foi
embora. Leve, em paz, feliz. Aquele tipo de estado de espírito que só quem
perdoa conhece. Seu coração batendo calmamente, cheio de amor lhe sussurra
palavras que ela tem descoberto nos últimos dias e que tem mudado sua vida: “Tudo
é graça”.
Agora
quando pensa no seu pai, lembra dele com carinho. Sente vontade de ligar para
ele. Volta e meia sua mente é tomada por boas lembranças do seu pai. Ela e seu
pai. Sim, ambos erraram. Ela e seu pai. O passado não pode ser mudado, mas quem
sabe eles podem escrever um futuro diferente? Sim, mais uma vez ela lembra “Tudo
é graça”. Se recebemos o perdão de Deus gratuitamente, seu favor imerecido, Sua
graça, como podemos negar isso a outro ser humano sujeito as mesmas fraquezas
que nós? Não, não podemos.
Ela e seu
pai. Uma história de perdão - pois ela descobriu o que seu coração não pára de
sussurrar: “Tudo é graça!”
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