sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O Rei Sem Nome

Escrevi esse texto há um tempo atrás, quando um menino, conhecido nosso, morreu baleado. Ao ler a notícia na internet, esse texto me veio à mente. Parte do texto é ficção (baseada na vida real), parte realidade. Hoje olhando meus textos antigos achei este e a dor e a revolta tomaram conta do meu coração por alguns minutos. Lembrei dele e pensei em como ele estaria hoje.






Um menino de 15 anos vê sua mãe, grávida pela quinta vez, chorar de fome sem ter nada o que comer em casa. Seus irmãos, todos menores do que ele, tentam arranjar alguma coisa para comer na rua. Do seu pai resta uma vaga lembrança e um grande rancor, pois quando ainda era um menino pequeno, seu pai foi preso. E depois disso nunca mais voltou a vê-lo.
No tráfico ele encontra poder, respeito, o valor que nunca ninguém deu a ele antes, amigos, e algo muito importante, o dinheiro que ele tanto precisa para ajudar a sua mãe e, é claro, comprar os tão sonhados Ipod, Iphone, lap top, TV tela plana, roupas e tênis de marca e tudo aquilo que um dia alguém jogou na cara dele que um favelado jamais poderia ter. A vida se tornou maravilhosa! Agora ele consegue tudo que um dia sonhou. As pessoas quando olham para ele desviam o olhar por medo ou respeito, pois agora ele é autoridade na sua área. Não tem medo de nada e de ninguém. Todo o mundo que ele conhece, a sua pequena favela, está aos seus pés. Pessoas correm para ele pedindo a solução para seus problemas. Ele opina até em briga de casal. Todos o respeitam. O respeito do revólver em sua mão e da coragem de matar. Apenas 15 anos, o rei da favela!
Mas um dia, o rei de outra favela, um menino de 18 anos, decide que quer aumentar o seu domínio e quer invadir outra área. Chama seus fiéis súditos, e com a estratégia militar dos jogos de vídeo game dos fliperamas da favela, lidera um massacre.
Ao final dos tiros, vemos um rei de 15 anos estirado na rua. 15 anos, 15 tiros. Acabou o seu reinado e agora sua família tem que fugir da favela e provavelmente morar na rua.
Vizinhos assustados se escondem para não responder as perguntas que a polícia faz. E a polícia, arquiva mais um caso, sem informações, apenas o nome de um adolescente morto. Não precisamos mais do que isso, afinal de contas, era apenas um favelado que teve o que merecia, pois quem mandou se meter com o tráfico ao invés de estar na escola ou trabalhando?!
Podemos ler a notícia na internet ou no jornal com certo descaso e dizer que tudo é culpa do governo, que deveríamos mandar o exército acabar com essa bandidagem que estraga a imagem do nosso país. Mas nem percebemos que na reportagem fria não estava escrito nem ao menos o nome do menino. Não estava escrito que quando costumava ir para a escola, não conseguia aprender nada e nosso pobre rei da favela aos 15 anos mal sabia escrever seu nome. Não estava escrito as tantas vezes que ele buscou o apoio e o carinho da mãe, mas com tantas crianças e tendo que cuidar de todas elas sozinha, não tinha tempo para nenhuma e quando chegava o fim de semana era comum ouvir essa frase: “Eu vou sair, preciso me divertir, não vou parar minha vida por causa de vocês!” E nosso carente rei da favela iria chorar sozinho, a falta da mãe e a saudade misturada com ódio do seu pai. Não estava escrito quantas vezes ele sofreu preconceito por ser um favelado. Não estava escrito que quando ele optou pelo tráfico não tinha ninguém ao seu lado para apontar outro caminho. Ele fez a escolha, e agora jaz no chão frio de uma rua suja e fétida de uma favela qualquer. E seu nome? Jamais saberemos.

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